domingo, 28 de julho de 2013

Mostre-me

Era o primeiro dia de aula do 5º período da Faculdade. Alexandre glorifica a Deus por estar mais perto de se formar a cada dia que se passava. Não só por querer logo se formar ou entrar no mercado de trabalho, afinal, sempre trabalhou, coisa que aliás, achava insuportável. O real motivo de Alexandre ter passado a odiar a Faculdade era a convivência conturbada com seus colegas e professores.

Foi assim também na escola. Certamente seria assim também na Faculdade e muito provavelmente será assim em quaisquer circunstâncias da sua vida. Ele não sabia qual o motivo daquilo, não conseguia compreender as razões que o levavam a se atingir e atingir os outros. Apesar de se sentir triste e deveras melancólico, Alexandre aprendeu a conviver com esse sentimento. E diferente do que pensa a maioria, esse é o maior desafio. 

Conviver com os demais torna-se tarefa fácil quando aprendemos a controlar nossos impulsos e emoções.

Acostumado com o ambiente e já despreocupado com o que outros poderiam achar ou "desachar" dele, resolveu sentar-se no banco afastado alguns metros do bloco do seu curso. Já era de costume. Poucos o cumprimentavam, e mais raro ainda, poucos com ele falavam. Só quando necessário ou quando tinham algum interesse. Atividades, provas e trabalhos. Nesse momento, as mentes de seus colegas sofriam de amnésia retrógrada e tornavam-se aptos a chamá-lo de amigo, parceiro e coisas do gênero. Mas Alexandre já havia aprendido a dizer não, finalmente havia.

Sentado, olhando para a tela do seu celular apagada, ele fingia fazer algo. Só que como uma gota que transborda um copo d'água e causa o caos, Arlequina apareceu quebrando a calmaria e o silêncio do local. A garota acabara de chegar na Faculdade. Na cidade também. E o principal: Na vida de Alexandre.

Ao perceber a presença de um rosto novo, Alexandre resolveu olhar se haveria algo de diferente nessa "menina". Nada, não sentiu nem viu nada. Absolutamente nada. Ela entretanto, ao sentar-se no banco, não podia esconder o entusiasmo e euforia de iniciar uma nova vida. Arlequina também o fitou nos olhos. Não pensou duas vezes:

- Bom dia!

Alexandre estava perturbado. Como ela ousava lhe dirigir a palavra daquela maneira? Nem ao menos se conheciam ou haviam sido apresentados anteriormente. Tímido, como ele, jamais esperaria alguém agir daquela forma. O que é considerado um simples encontro casual, causava espanto ao jovem rapaz. Porém, num súbito ato de sociabilização, ele disse:

- Oi, bom dia.

Nem ele poderia acreditar. Como havia respondido-a? Pra quê? E porque? Estaria fadado a mais uma decepção, a apenas isso. Como todos os outros, ela em breve o ignoraria.

- Ah, meu nome Arlequina! Respondeu mais entusiasmada e curiosa.

E diferentemente do que suponha Alexandre, Arlé (como gostava de intimamente ser chamada), sabia muito bem que ele não era apenas mais um. Ela podia sentir sua aura e seu corpo e espírito gritando por socorro. Ela apenas o queria confortá-lo.

- Bom, e o seu?! Arlé perguntou. Percebendo que dizer seu nome não o alertou sobre a máxima que corrobora com a norma de etiqueta que diz que quando alguém se a presenta a você, deve-se apresentar-se de volta.

- Alexandre. Respondeu o "garoto", visivelmente incomodado com a presença da moça.

Arlé havia percebido. Não era difícil notar isso, aliás. Apesar de tentar, Alexandre nunca foi bom em disfarçar seus sentimentos. Ao contrário, suas reações e rosto expressivo entregavam facilmente os pensamentos que corriam soltos por sua mente.

Ela o olhou mais profundamente que da primeira vez, aproximou-se, e arrastando o vestido rosa de tecido fino pelo banco enquanto se movia, perguntou:

- Porque você é assim?

Alexandre ficara transtornado. Não podia acreditar no que ela acabara de fazer. Como alguém tem a coragem de chegar em outra pessoa e perguntar "porque você é assim", pensava. Ao franzir a testa, entregava sua chateação e demonstrava o quanto aquela pergunta havia o incomodado.

Ele pensou em um milhão de respostas possíveis. Atacar a família, talvez? "Sua mãe não te deu educação não, garota?", mas falando assim, ele seria o mal educado, contestava a si mesmo. Poderia portanto tentá-la atingir diretamente "Quem você pensa que é?". Mas Alexandre não era do tipo soberbo. Não faria tal pergunta, afinal, quem ele era? Quem sabe atacá-la por sua ousadia ou destemperança? "Eu não te conheço, de onde você quer tirar essa intimidade". Mas dessa forma soaria como uma garota, cogitou.

Ele poderia e na verdade pensou em um milésimo de segundo, em muito mais de um milhão de respostas. Mas Alexandre viu que nenhuma se encaixava com a verdade. Ser grosseiro não o ajudaria, cismou. E respondeu a única coisa que realmente não gostaria de dizer. Mas que, indubitavelmente, era a verdade:

- Não sei.

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